De repente todos viraram críticos de arte

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Alguns dias atrás eu assisti a um vídeo no facebook, era um tutorial que ensinava como imprimir em blusas o negativo de objetos comuns e imóveis da cidade, eram tampas de bueiros que tinham desenhos detalhados e continham ali traços importantes da história, eram grades e outros objetos todos em metal ou pedra, eram calçadas, postes(...). Então em um dos comentários eu vi uma mulher dizendo: "eu sei o que é isso, fazem isso em minha cidade, é xilogravura". Sabe, meu pai é um importante mestre da xilogravura, o seu ofício envolve vários instrumentos com nomes complicados, que na maioria das vezes ele simplifica e faz de uma forma própria, artesanal e o único metal que eu vejo no processo(o mais simples que não precisa de máquinas), é o prego que ele genialmente usa para talhar a madeira, de onde vem o prefixo grego //xilo/-(madeira).
  Não por acaso estamos em um período pesado, baseado em um amontoado de informações, teorias e jornalismos humoristas que brincam com o inconsciente coletivo em troca de alguns likes. Vem sendo mais importante nos veículos de comunicação a promoção do ego, do que uma troca, uma ponte para o conhecimento.
  Falando em conhecimento, honestamente, eu ando realmente confusa aqui. Eu sei que o conhecimento e a escrita em si foram um importante instrumento de colonização e submissão de todas nações. Eu ainda me lembro de uma oficina que fiz com o escritor, pesquisador Márcio Souza de identidades amazônicas, (a quem for de Recife e interessar ele deixou vários de seus livros na biblioteca do Sesc Santa Rita), em que ele dizia que não houve uma expedição de colonização, mas duas, porque na primeira viagem, foi como um Caramuru, os portugueses estavam vivendo felizes segundo os costumes indígenas e já numa segunda, para conseguir o objetivo primordial, que era a colonização indígena, eles nos colocaram museus, teatros, cultura européia, afinal os índios eram ágrafos, eles nãos tinham documentos, não tinham história.
  Eu penso que por isso, é importante nos tempos atuais, reafirmar que toda cultura imaterial, incluindo a oralidade tem valor significante, histórico, mas em um contexto em que um país inteiro obedece uma constituição em um estado democrático, para ter esse poder nós precisamos tomar todas as ferramentas. Não por acaso muitos índios entenderam que ninguém, senão um índio poderia defender verdadeiramente o direito indígena e buscaram nisso suas graduações. Mas não é só o direito que o povo tem que tomar de conta para não ser manipulado, atacar de dentro e se fortalecer, são todas as faculdades. E de todas as faculdades aquela que o povo mais precisa tomar de conta, além da filosofia e direito, é a arte. Principalmente porque essa faculdade não precisa de um diploma para se ser mestre e também porque a arte sempre foi direito cultural inalienável de todas nações, é ferramenta dos oprimidos, popular.
   Nossos antepassados faziam arte, antes dela ser categorizada e a arte é um poderoso instrumento de impacto de mentes. Então, eu só posso ser levada a crer que para destruir a memória e a cultura imaterial de um povo só se precisa atacar sua arte. A arte sempre salvou, fez com que pessoas que nunca entrariam nos anais da história fossem lembrados, e então abriu mentes para a sensibilidade diante das maioria das tragédias contra povos oprimidos, vejam Guernica de Picasso e o Grito de Edvard Munch.
  Quando o pequeno Hitler não foi aceito na Academia de Belas Artes porque seus trabalhos eram tão sem alma e realistas que pareciam trabalhos mecânicos, ele cresceu e perseguiu toda forma de arte que considerasse menos realista. Eu não quero entrar no reductio ad hitlerum, então ele não foi o único a perceber e odiar a arte. Isso foi um pressuposto para todas ditaduras. Então eu gostaria de falar de uma das histórias de meu pai, Stênio Diniz. Ele fez uma exposição na Bienal de Arte de São Paulo, as pessoas que entravam para ver suas xilogravuras escutavam o barulho de correntes ao entrar, que era ativado por um detector de metal, suas xilogravuras eram voltados para a temática de morte e prisão, mas era ditadura. E claro tinham muitos olheiros. Um tempo depois ele recebeu um telefonema, alguém dizendo que um alemão tinha interesse em seus quadros. Ao entrar no prédio alguém que conhecia ele e estava no elevador disse: "Eu se fosse você passava direto.", foi embora e até hoje não recebeu suas xilogravuras.
  Ontem pela manhã passando pela praia, dois tios(em diferentes carros e percursos, e ao mesmo tempo) tiraram fotos de um faixa pedindo por intervenção civil militar. Um dia atrás dois amigos, de esquerda, falavam contra a arte, porque esse mês todas as exposições de arte resolveram conspirar para toda arte ser "uma bosta", perdão mas não consegui ser mais sintética. Porque a arte vem magicamente em um mês sendo tratada como um instrumento de perversão, como a filosofia e o ensino de história. Dois dias atrás tentaram fechar vários bares LGBTTs de uma "rua de veado", conseguiram alguns. Há pouco tempo "facções" evangélicas começaram a destruir casas de santo, de religião afrobrasileira e mataram um mestre que se negou a quebrar seus próprios objetos de cultura. "Mas não estávamos falando de arte?", não querido, falamos de uma ascensão de atos violentos baseados em uma falência crítica por uma tomada de poder de instituições evangélicas e neoliberais, meses atrás esses mesmos evangélicos perseguiram todos os atores brasileiro que falaram "meu corpo minhas regras", no trailer de Olmo e a Gaivota de Petra Costa e essa mesma perseguição segue agora com funcionários do Museu da Arte de São Paulo que foram violentados.
  Eu não acredito em coincidências ou efeito borboleta, então vamos nos ater aos fatos. Nós sabemos que em ambas exposições tinham um aviso indicativo de maioridade e que exposições sempre são informativas, tem panfletos, tem cartazes, com certeza um responsável tem o poder de interferir aí, e que as diversas instalações são perturbadoras.
  Lygia Clark foi só uma maldita a incorporar gerações. Temos a performance de Marina Abramovic, que ela ofereceu seu próprio corpo para ser furado, cortado ou amaciado(e sim foram várias as pessoas que preferiram por causar dor), "O caderno Rosa de Lori Lamby" de Hilda Hilst famosa poeta e dramaturga brasileira, temos a performance perturbadora de Helio Oiticica com um revólver na boca simbolizando o órgão sexual masculino, ou mesmo o besteseller Lolita, de Stephen Schiff. Clarice Lispector falava sobre sua primeira experiência sexual com a arte, com um livro infantil, foi ali que ela nunca mais emudeceu, lendo Reinações de Narizinho e eu levo sua concepção de arte para mim, ela fala no "êxtase puríssimo", ou no "encantamento do silêncio", o clímax de toda arte, quando não conseguimos explicar o que sentimos e ficamos como estátuas diante de um beijo poderoso, o primeiro beijo, o primeiro beijo de Clarice Lispector foi numa estátua de arte e seu primeiro orgasmo foi com um livro infantil, isso é bem perturbador.
   Há um metapoema de João Cabral de Melo Neto em que descreve o estado de contemplação e criação da poesia como o de um catador de feijões, sendo as pedras a parte principal na consumação da poesia. Parece insano, mas foge da ordem comum, é duro, dilacerante, nós comemos exatamente o que os outros rejeitam e como uma pedra, nos sai rasgando entranhas adentro.
 Então, as pessoas dizem "mas devemos criar limites para arte, devemos dissociar o que é arte do que é profanação, arte moderna não é arte, os de esquerda: a arte é burguesa, os de direita: a arte é de esquerda", independente do que a arte seja e eu acredito que isso é bem relativo, a arte até impressiona quem não quer ser impressionado, mas ela é como uma criança e não caminha sozinha no museu, ou praia(ou não deveria), e excede as fronteiras do Brasil, do presente ou da matéria. Então aqui vai o meu conselho: não querem arte, não vão à exposições de arte como 92% da nossa população, involuam, sejam massas de manobra, mas não falem em cima de informações e conceitos soltos na rede, não só porque uma opinião na rede vira pressuposto/tendência de "verdade", mas principalmente porque a arte só será censurada ou incendiada por quem não a entende, mas ela nunca acabará. Um dia, nem que seja de boca por boca, ela será transmitida e transmutada.

Bibliografias:


http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2016-02/habitos-culturais-crescem-entre-os-brasileiros-de-2007-2015-mostra-pesquisa
http://www.garotasgeeks.com/artista-reproduz-pinturas-classicas-com-personagens-de-desenhos-animados/

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